Marcos
Capítulo 8

  • A Segunda Multiplicação dos Pães
  • 1. Naqueles dias, sendo a multidão muito grande, e não tendo o que comer, Jesus chamou a si os seus discípulos, e disse-lhes: Mc 8:1
    O próprio Senhor nos afirma (Mc 8:18 -20) que este relato (Mc 8:1 -10) é distinto do ocorrido anteriormente (Mc 6:34 -44), muito embora sejam notáveis as semelhanças dos fatos.
  • 2. Eu tenho compaixão da multidão, porque já estão comigo há três dias, e não têm o que comer; Mc 8:2
    Como este episódio aconteceu na Decápolis (Mc 7.31), certamente havia um grande número de gentios na multidão. Jesus se compadece (em grego: agapç) do povo que demonstrava grande fome da Palavra, pois há três dias o seguia e ouvia seus ensinos sem se alimentar. Um grande exemplo para os cristãos atuais.
  • 3. e, se os deixar ir em jejum, para suas casas, desfalecerão no caminho; porquanto vários deles vieram de longe.
  • 4. E os seus discípulos responderam-lhe: De onde poderá um homem satisfazer estes homens com pão aqui no deserto?
  • 5. E ele perguntou-lhes: Quantos pães tendes? E disseram-lhe: Sete.
  • 6. E ele ordenou ao povo que se assentasse no chão. E, tomando os sete pães, e tendo dado graças, partiu-os, e deu-os aos seus discípulos, para colocarem diante deles, e puseram-nos diante do povo.
  • 7. E tendo alguns pequenos peixes, ele os abençoou, e também ordenou-lhe para que colocassem diante deles.
  • 8. Então comeram, e saciaram-se; e tomaram dos pedaços que sobraram, sete cestos.
  • 9. E os que haviam comido eram cerca de quatro mil; e ele os mandou embora.
  • 10. E ele entrando imediatamente no barco com os seus discípulos, foi para as regiões de Dalmanuta. Mc 8:10
    Dalmanuta ficava ao sul da Planície de Genesaré, local em que Jesus desembarcou. Mateus chama a região de Magadã ou Magdala (Mt 15.39). Da mesma maneira como agiu na primeira multiplicação dos pães (Mt 14:13 -21; Mc 6:30 -44; Lc 9:10 -17; Jo 6:1 -15), Jesus usa uma expressão original (Mc 8.6 – em grego:, “a reclinar-se”), que tem a ver com a atitude cultural dos judeus daquela época de quase deitarem sobre almofadas diante de mesas baixas, um ao lado do outro, em círculos, para fazerem suas refeições cotidianas. Ao solicitar que as pessoas “reclinassem sobre o chão” (se assentassem), Jesus estava comunicando a todos que o desjejum seria servido em seguida.
  • Os Fariseus Pedem um Sinal
  • 11. E vindo os fariseus começaram a questioná- lo, tentando-o, procurando um sinal do céu. Mc 8:11
    O pedido dos fariseus brotava da incredulidade. Tentaram fazer com que Jesus provasse ser um profeta maior do que Elias (1Rs 18:20 -40). Queriam apenas ver um show cosmológico, mas Jesus apontou para o povo e sua longa história de fome espiritual e de justiça; assim como ocorreu no deserto com Moisés. O pão partido e multiplicado era o maior sinal para aquela “geração” (maneira de se referir a um tipo de gente mesquinha e hipócrita).
  • 12. E, suspirando profundamente em seu espírito, disse: Por que procura esta geração um sinal? Na verdade eu vos digo que a esta geração não se dará nenhum sinal.
  • 13. E, deixando-os, tornou a entrar no barco, e foi para o outro lado.
  • O Fermento dos Fariseus e de Herodes
  • 14. Ora, os discípulos tinham se esquecido de levar pães, e no barco não tinham consigo senão um pão.
  • 15. E ele ordenou-lhes, dizendo: Fiquem atentos, guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes. Mc 8:15
    Os judeus, por causa dos mandamentos de Deus (Êx 13.7) evitam o uso de qualquer tipo de levedo (agentes de fermentação empregados na preparação de algumas bebidas alcoólicas não destiladas, tipo cervejas, e na panificação) na semana imediatamente após a Páscoa. Na época de Cristo a levedura era um símbolo comumente usado pelos mestres para se referir à má inclinação humana. Jesus faz uso desta metáfora para mostrar a procedência maligna dos pedidos dos fariseus e de Herodes Antipas (Lc 23.8) por um sinal espetacular nos céus para comprovação da sua divindade. Jesus enfatiza que o grande sinal estava na terra, junto à vida das pessoas a quem Deus amava
  • 16. E arrazoavam entre si, dizendo: Isto é porque não temos pão.
  • 17. E Jesus, percebendo isso, disse-lhes: Por que argumentais, por não terdes pão? Ainda não percebeis, nem compreendeis? Tendes ainda o vosso coração endurecido?
  • 18. Tendo olhos, não vedes? E tendo ouvidos, não ouvis? E não vos lembrais?
  • 19. Quando eu parti os cinco pães entre os cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços tomastes? E disseram-lhe: Doze.
  • 20. E, quando parti os sete entre os quatro mil, quantos cestos cheios de pedaços tomastes? E disseram-lhe: Sete. Mc 8:20
    Mais uma prova de que Jesus fala de dois eventos parecidos, mas distintos é que no primeiro a palavra grega usada para “cestos”indica um pequeno cesto da época, feito de junco; e no segundo, a palavra grega usada para “cestos” refere-se a um tipo de cesto grande, feito de tecido e capaz de suportar o peso de uma pessoa, como foi o caso ocorrido com o apóstolo Paulo (Atos 9.25).
  • 21. E ele lhes disse: Como é que vocês não compreendem ainda?
  • A Cura de um Cego em Betsaida
  • 22. E ele chegou a Betsaida; e trouxeram- lhe um homem cego, e pediram-lhe para tocá- lo. Mc 8:22
    Betsaida significa “casa de pesca” e se localizava numa planície ao norte do mar da Galiléia. Era a cidade natal de Pedro, André e Filipe (Jo 1.44).
  • 23. E ele tomou o homem cego pela mão, e o levou para fora da aldeia; e ele cuspindo nos seus olhos, e colocando suas mãos sobre ele, perguntou-lhe se ele enxergava alguma coisa.
  • 24. E, ele olhando para cima, disse: Eu vejo homens andando como árvores.
  • 25. Depois disto, ele colocou novamente suas mãos sobre os seus olhos, e o fez olhar para cima; e ele foi restaurado, e viu a cada homem claramente.
  • 26. E ele o mandou embora para sua casa, dizendo: Nem entres na aldeia, nem o digas a ninguém da aldeia.
  • A Confissão de Pedro
  • 27. E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesareia de Filipe; no caminho ele perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou? Mc 8:27
    Com a confissão de Pedro tem início a segunda metade de Marcos. A partir de agora Jesus muda a direção principal dos seus ensinos, deixa as grandes multidões e concentra-se no discipulado dos Doze. Ao grupo dos discípulos passa a revelar mais e mais sobre sua missão, morte e ressurreição
  • 28. E eles responderam: João, o Batista; mas alguns dizem: Elias; e outros: Um dos profetas.
  • 29. E ele lhes disse: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, lhe disse: Tu és o Cristo.
  • 30. E ele ordenou-lhe que não contassem a nenhum homem sobre ele.
  • Jesus Prediz sua Morte e Ressurreição
  • 31. E ele começou a ensinar-lhes que o Filho do homem deveria sofrer muitas coisas, e ser rejeitado pelos anciãos, e pelos principais sacerdotes e escribas, que fosse morto, e após três dias ressuscitar. Mc 8:31
    A necessidade do sofrimento expiatório de Jesus é claramente apresentada no AT (Sl 22, 69, 118; Is 50.4, 52:13 -53.12; Zc 13.7). Jesus costumava se referir a si mesmo como “Filho do homem” (81 vezes nos evangelhos). Título jamais usado por qualquer outra pessoa. Em Daniel (Dn 7.13,14), o filho de um homem é retratado profeticamente como personagem celestial a quem, no final dos tempos, Deus confiou autoridade, glória e poder soberano. O próprio Jesus passa a reforçar esse título junto aos seus discípulos. Pedro compreendeu que Jesus era o Messias prometido pelo uso que faz do termo grego “Cristo” (Messias em hebraico). Os líderes religiosos eram os membros leigos (anciãos) do Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus), os chefes dos sacerdotes (Mt 2.4), entre eles o sumo sacerdote em exercício, Caifás; o sumo sacerdote anterior, Anás, e as respectivas famílias sacerdotais.
  • 32. E ele falava estas palavras publicamente. E Pedro, tomando-o, começou a repreendê-lo.
  • 33. Mas ele, virando-se, e olhando para os seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Para trás de mim, Satanás; porque tu não tens gosto das coisas que são de Deus, mas das coisas que são dos homens. Mc 8:33
    O sofrimento e a humilhação não correspondiam ao “Messias” que estava na mente de Pedro: o Libertador de Israel. Ao tentar persuadir Jesus a ter compaixão de si mesmo para não se entregar ao martírio e à morte, Pedro incorreu no mesmo discurso usado por Satanás no início do ministério do Senhor (Mt 4:8 -10), e por isso Jesus precisou mostrar a todos os discípulos que tentar se desviar da vontade de Deus – não importa a razão – é cair nas artimanhas de Satanás e “errar o alvo” (expressão que em hebraico significa: pecado).
  • 34. E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me. Mc 8:34
    Jesus faz um convite não apenas aos Doze, mas a todas as pessoas. Devemos permitir que o Espírito Santo assuma o controle total das nossas vidas, antes dirigida pelo “eu” ou “ego” (fonte das nossas vontades, quase sempre contrárias à vontade de Deus). Tomar a cruz é a disposição de começar a seguir ao Senhor do jeito que somos e com aquilo que temos; e depois, aceitarmos a glória de vivermos e morrermos por Ele. Ao concluir, conclamando todos a segui-lo, Jesus estava dizendo que mostraria pessoalmente o caminho da verdadeira entrega a Deus, do sofrimento, do martírio, da morte e da ressurreição para uma vida eterna de comunhão com o Pai (Sl 49.8, Hb 9.27, Ap 21.8).
  • 35. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa e do evangelho, salvá-la-á.
  • 36. Porquanto, que lucro tem o homem em ganhar o mundo inteiro, se perder a sua própria alma?
  • 37. Ou que dará o homem em troca de sua alma?
  • 38. Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos. Mc 8:38
    O mundo é um sistema globalizado de valores e princípios (filosóficos, políticos, econômicos e sociais) que, a cada geração, se afasta mais e mais da Palavra de Deus. Por isso, desde a Queda (Gn 3), Deus tem procurado corrigir a rota dessa humanidade perdida (Hb 1:1 -2). Quem preferir se ajustar à sua geração (aos ditames do mundo de sua época) mais do que seguir a Cristo e aos princípios da Sua Palavra não poderá fazer parte do Reino de Deus, tanto aqui e agora, como na Nova Jerusalém, na eternidade futura e iminente (Ap 21:1 -4). Ter “vergonha” de Jesus é muito mais que um simples ato externo de usos e costumes, timidez ou inabilidade de expressão. Esta palavra, em seu sentido original, tem a ver com a “honra de cultivar um caráter idôneo e amoroso em relação a Deus e ao próximo em todas as atitudes pessoais”. Ou seja, envergonhar-se do Evangelho é não aceitar o compromisso com o discipulado de Cristo e preferir levar a vida conforme a ordem mundial impõe às pessoas de todas as culturas (Rm 1.16, 12.1). Entretanto, na volta triunfal de Cristo, todos aqueles que creram no Senhor o suficiente para enfrentar o mundo com um estilo de vida verdadeiramente cristão, serão honrados por Jesus e participarão da Sua glória eterna (1Ts 1:6 -10).